quarta-feira, dezembro 22

eu Eu

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Um animal em parto ou que abati?
Um raio que se apressa a romper ou se lança atraído?
Uma porta trancada ou que leva à varanda?
Movimentos de assalto ou gentil intenção?
O querer que se quer ou o que exagera?
Sou troca justa ou um furto sínico?
Cores ou dia nublado?

Amo e abato
Corrompo e desejo
Vou aos mais belos lugares. Me fecho.
Atinjo e amparo.
Quero. E também quero mais.
Pondero. E não peço licença.
Cores... Precisam de luz! Tenho música.

Que fome é essa que me faz sair às minhas buscas? Estará sempre a frente de ser o bastante. E nada terminará hoje ou com um sorriso só por ser positivo.
Nada termina assim... Nada nem termina. Mesmo o dia que se espera, que chega e que passa.

Que fome é essa que sou?
Um animal que sobrevive ou que evolui?
Eu sou tudo. E assim, o desagrado também sou.
Não escapo a essa natureza.









Quadro "Mulher em frente ao espelho" - 1932,
Pablo Picasso



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quarta-feira, dezembro 8

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Foto premiada no "The Digital Camera Photographer of the Year 2010".







"Boa fotografia mostra para as pessoas lugares e coisas que elas não poderiam ver elas mesmas.
Ela tem ação, energia, ótima composição e deixa aquela pergunta no ar: o que está acontecendo aqui?
A foto fica mais incrível cada vez que olho para ela."










Martin Keene, editor de fotografias da Press Association.




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domingo, novembro 28

Sonho.

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Lugar revisitado com sensação de ter voltado à casa de um bem distante.
Coisas a fazer lá com importância distribuída entre rostos familiares não conhecidos.
Se vestir, comer e dividir as notícias das vésperas de onde se vem.
O tempo acontece numa parte de noite e tudo brilha ardente e suave como felicidade de reencontros saudosos.
Sorrisos que abraçam e desejam um amor tão próximo que ensinam ao seu próprio.
Conforto de ser guiado para fins simples que vão servindo pra sempre.

Despertar com o esforço de trazer aquela consciência junto comigo. Mas não resta muito além de sensações, vultos em fade out e a certeza de que tudo aconteceu.









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quarta-feira, novembro 24

Diva

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Se tivesse de eleger o meu Deus, glorificaria a música em minha adoração.

Capaz de realizar milagres quando é simplesmente sentida. De uma redenção bem vista nos semblantes, já desde recente entrega.
Tem poder sensível que não exclui, bastando viver.
A vejo isenta de referências, liberta de qualquer causa, vasta de infinitude. Nem som, nem beleza, nem o comunicante peso das palavras. É mais.
A vejo como co-habitante da alma onde a nós faz ecoar o infinito dentro, elevando a imaginação.
O que justifica a existência desde sempre. Liga os universos todos e os seus mundos sem qualquer tempo.
A vejo como a legítima intuição. A complexidade acessível como porta aberta para um labirinto vivo. E concebe a vida como sendo das suas últimas novidades.
Está em tudo, mesmo no silêncio e no vazio. Mesmo nunca a sabendo.






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quarta-feira, novembro 10

Sinto

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Efeitos “de ilusão” chegam na alma retumbantes , vibrando pra todo o corpo a ponto de fazer tremer, chorar, sentir sono.
Sem vinganças o pensamento cai na real e coloca a razão frente a frente com a emoção.
O diálogo mudo é como se fosse uma grande guerra de mil sinos de catedrais com seus sons de metais que atordoam e preparam a rendição de um corpo e alma cansados por não conter esse tamanho todo de descontrole.
Como um desmaio, tudo isso existe mas deixa de ser percebido.
O pensamento foge pra onde só se quer estar e desse refúgio não cansa de voltar. Basta um segundo pra muitas dessas viagens.
Segue Indo e vindo durante um tempo somente definido em cada um.
É nesse caminho onde se deixa de temer o que já se sabe que se tem de enfrentar.
E isso tudo só basta quando o esgotamento se torna um tipo de costume.
Alcançar mudança de pensamento pelas vias da desilusão é um exercício cruel!
As boas lembranças quando acessadas cobram um certo preço. Mas daí já se mudou e se torna óbvio o calo presente ali naquele lugar!
Nasce então um tipo de maturidade a custo de vida ...dessas que não se consola, só se aguarda doente, com lágrimas densas, vácuos e tempo. Nasce lá, no mesmo lugar do peito onde está o ensinamento a custo de dor. O lado esquerdo!























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sábado, outubro 9

Mais amor

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O amor é um grande laço, um passo pr'uma armadilha
Um lobo correndo em círculos pra alimentar a matilha
Comparo sua chegada com a fuga de uma ilha:
Tanto engorda quanto mata feito desgosto de filha

O amor é como um raio galopando em desafio
Abre fendas cobre vales, revolta as águas dos rios
Quem tentar seguir seu rastro se perderá no caminho
Na pureza de um limão ou na solidão do espinho


O amor e a agonia cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio, o cio vence o cansaço
E o coração de quem ama fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando, que nem o meu nos seus braços




Djavan



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quarta-feira, outubro 6

Quadro abstrato

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O grande e gracioso peixe de escamas peroladas e olhos de cristal está contornado por folhas e gavinhas por onde passeiam besouros solitários e preciosos em azul e vermelho, num cenário misto de flores desabrochadas e maduras frutas cítricas.
Uma grande roda gigante antiga e cansada de seus giros eternos, repousa sobre sua cabeça como uma coroa bem adornada em detalhes e curvas torcidas.
Acima o segue uma ilha flutuante de montanhas rochosas altas e adormecidas e que abriga uma paisagem de coqueiros e mata. Um balão arco-íris, em destino de passagem, paira no céu da ilha sobre as praias de areias brancas de lá.
Desce o céu e a ilha se desenrolando pela sua escada de cordas até o peixe.
Em alguns passos se fez o rastro de pegadas pelas areias seguindo adentro e voltando das matas até o extremo onde se finda.
As escadas, a altura e a roda gigante; assim estão o peixe e o balão presos aos seus céus e ao caminho até a roda gigante. Ali parado e o giro das cordas e das madeiras.
Entrando a roda, a pintura de outra época em amarelo e vermelho tem indicadas sua entrada e saída pela mesma catraca já enferrujada e fincada ao chão.
Revezam-se os degraus das cordas na ilha e na roda do gigante.
Sobe e desce a iluminação de alguém simples no seu mundo. Caindo das nuvens e do oceano. Das viagens e de onde tocou o chão. De jeans e verde adentra o sonho do peixe. Brinquedo de sua alma. Caminho das maravilhas a girar por sua vida.








Aquarela do artista e arquiteto Edgar do Vale.






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sábado, agosto 14

TEMPO

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És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...

Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...

O que usaremos prá isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...




Caetano V.



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De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação

De avião o tempo de uma saudade





G. Gil




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quarta-feira, agosto 4

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Morte

Seguir em frente...
Saudades e nenhuma conformação sobre o que julgamos deixar de existir.
A existência segue sendo como aqui e só e assim partir é deixar de pertencer.
Mas de onde se é? É uma compreensão louca.
Concepção de ideias e ideais.
Mesmo sendo a convicção uma Dama de difícil conquista.



Vago lento nesse abstrato em busca de revelações discretas próprias da curiosidade.
Talvez considere algo tão próximo como são os sonhos onde vozes eternas ecoam sugestões e contam sobre mistérios e milagres.
Nada sei.
Mas não é simplesmente o fim.




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quarta-feira, julho 14

Com ciência

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Preciso frear o carro.
Chegou o momento de falar com você.
Só a consciência é quem vai seguir agora.

Vamos sair daqui dessa roupa. Crus.
Só assim que se pode lembrar o vento.
Como vai tocar meu corpo? (Havia esquecido essa intimidade).
Bem, pergunto pra minha inteligência estúpida, carente da atenção dos livros depois.

Agora te vejo meu eu que nunca nasceu, mas que sempre foi o miolo da coisa toda.
Venha pra fora! Saia do seu átrio! O mundo é só um cômodo.

O nascimento acontece uma vez da mesma forma que cada idade.
Ambos são puramente descobertas.
Vai ter de tocar nelas e às vezes vai sangrar.





Venha aprender a julgar o belo.
Partir corações, Discordar dos pais, e brigar com os amigos. Nessas horas o amor cuida de você.
É preciso existir e não se preocupe; você não será percebido.
Apenas pelas árvores do passeio e pela grama pisada.
Vão te olhar e ver uma máscara, estará bem disfarçado de si mesmo.

Você vai gostar, só não se acostume a gostar; lembre que não dá pra voltar quando a coisa toda começa. Vai ter que ver o fim acontecendo e pode causar certo incômodo.
Melhor ser cauteloso.

Praticamente é sempre assim: Subida. Tempo gera experiência e experiência eleva sempre. Oxigênio, por motivos óbvios. E água, muita água. 1litro e ½ ao dia no mínimo.
O resto também tem de sobra. Supérfluo não falta lá fora.

Ah... Posso procurar em algumas gavetas, são elas que guardam os segredos.
Deve ter algum método guia esquecido pra te ajudar.
Vou precisar ascender a luz. Dói, mas é só apertar um pouco os olhos e a vista vai acostumar.

Nossa! Quantos brinquedos egoístas colecionados com devoção, eu bem devia saber que aqui estaria propício a isso mesmo, mas também sei que não se vence a surpresa quando ela vem. Pelo menos gostei daquele ali, o palhaço traído de riso gratuito.

Dentro do cômodo entupido de tantos anos passados;
Parede, chão e teto são o que mais se tem de cansado.
Ali só a janela se renova e é isso que você nunca entendeu. Mas é porque vem de fora pra dentro. Logo tudo estará esclarecido.

Vê-se o mundo, mas não dá vontade de sair eu sei. No começo é assim.
Mas as suas lembranças estão lá viajando e rápido.
passando sempre. Sua história também está por lá e infelizmente vai precisar de ambas. Não se existe sem a própria história e lembranças.

Infelizmente não encontrei o guia, mas lembro que lá dizia pra deixar tudo rolar. Ou será que escutei alguém dizer isso? Enfim... De qualquer forma, assim tenho feito algumas vezes e acredito que valeria pra você também.





E quando acontecer alguma coisa procure só assistir.
Participar quase sempre é mais caro e nem sempre compensa. Enquanto não souber avaliar, assista. Não se pode desperdiçar quando não se sabe o que tem.

E sim. Vai ter sempre de esperar tudo; tanto a vez, quanto a véspera.
Engraçado nunca foi, mas dá pra achar a graça de repente.

Partir sempre obriga carregar muito e perder algo. Nada que impeça de atravessar os lados.
Vamos hoje, te acompanharei até na solidão.
Vamos hoje, mesmo eu não tendo dormido direito.
Não estou reclamando, mas desculpe se me tornar um pouco ausente pelo cansaço de algum momento; além do mais, o pensamento me chama a atenção pras coisas de lá do lado de fora.

Uma última coisa; grita! Dança! E corre sempre que puder; é um bom sinal pra encontrar seu rumo. Não se vai apenas caminhando e pra tudo isso também existe estrada. Segue, segue e segue mesmo que lhe falte a sorte.
Lembro bem que veio dela todo o motivo da tristeza do nosso palhaço traído. Ainda assim ele nunca deixou de sorrir. Penso que a felicidade dispensa a sorte. Ela é dona de si e voa livre.
Tive que aprender isso antes de vir aqui te buscar.









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quinta-feira, julho 1

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Acredite se quiser

Que...

"o Cavaleiro das luas e das estrelas
Abriu o céu, desceu e me ofertou
Um livro aberto na página brilhante
Que nesse instante uma poeira iluminada
me assustou
Falava de Andrômeda,
A dona da constelação do Escorpião,
Falou da outra estrela na ponta do Cruzeiro,
Falou das quatro luas
A nova, a que cresce, a cheia e a que diminui
Que a primeira, quando se esconde na escuridão,
é de mentira, pra nos tomar o coração
Me ensinou coisas que vi
E que nem são daqui





E, de repente, acordei com o ronco da trovoada"...











Gil e Milton




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quinta-feira, junho 17

Lua de São Jorge

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...nobre porcelana, sobre a seda azul.




Caetano V.




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quarta-feira, junho 9

Hogar

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Sabe quando a casa se torna parte de nós?
Paredes mudas e móveis imóveis guardam um segredo em cada canto.
A janela que oferece seu apoio em momentos de solidão.

Saudade dela.





Tristezas afugentadas no chuveiro. Pecados confessados no espelho. Filmes no inverno.
Tudo ali é você, é seu. Guardado. Dentro. Seu lar.
É parte e é todo você.
Entre idas e vindas é ali que se está ligado. O endereço é nome.
Penso numa caixa de música onde cabem suas coleções.
Onde estão os tesouros e castelos descobertos no caminho.







Entre as visitas, telefonemas, refeições e cochilos, se exerce uma crença sem desculpas.

Sem qualquer tipo de mágica ou milagre, se materializa a relevância do conforto, a liberdade imensa de descansar o corpo nu e de deixar a alma a perambular. Sente-se dentro de si.

Estar fora do jogo, longe das atenções e ocupado consigo. Quanta honestidade ocupa um abrigo.














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domingo, maio 30

Zezé Sussuarana

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Faz três sumana
Que na festa de Sant'Ana
O Zezé Sussuarana
Me chamou pra conversar
Dessa bocada
Nóis saímo pela estrada
Ninguém não dizia nada
Fomo andando devagar

A noite veio
O caminho estava em meio
Eu tive aquele arreceio
Que alguém nos pudesse ver
Eu quis dizer
Sussuarana, vamo imbora
Mas Virgem Nossa Senhora
Cadê boca pra dizer

Mais adiante
Do mundo, já bem distante
Nóis paremo um instante
Predemo a suspiração
Envergonhado
Ele partiu para o meu lado
Ó Virgem dos meus pecados
Me dê a absorvição

Foi coisa feita
Foi mandinga, foi maleita
Que nunca mais indireita
Que nos botaram, é capaz
Sussuarana
Meu coração não me engana
Vai fazer cinco sumana
Tu não volta nunca mais




composição: Heckel Tavares - Luiz Peixoto


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quinta-feira, maio 27

Escrava cansada

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Só sente a liberdade que tem dentro do peito.
Não escolhe sua terra. Nem sua cor.
Não escolhe o que sente.
Conformação, desesperança, raiva, fome, rebeldia.
A vida a leva sem escolhas.

Largou sua alma esquecida, esquecida entre alguns lençóis.

Desarmada de atitudes severas, subjugada a vaidades alheias.
Não dorme sem tristeza.
Não entende as indiferenças...
Nem as diferenças...



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sábado, maio 22

BICICLETA de krebes.

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Roda Dianteira:

Glicose
Glicose 6 fosfato
Frutose 6 fosfato
Frutose 1,6 bifosfato
Diidroxicetona-fosfato – gliceraldeido 3 fosfato
1,3 bifosfoglicerato
3 fosfoglicerato
2 fosfoglicerato
2 fosfoenolpiruvato
Piruvato
Acetil coA


Roda Traseira:

Citrato
Aconitato
Isocitrato
α cetoglutarato
siccinil coA
succinato
fumarato
malato
oxalacetato


- e a vida segue pedalando...








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sexta-feira, maio 21

tarde verde

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A pouca luz do fim da tarde me direciona a quietude própria do que é sereno.
Me sento e observo o jardim silencioso que repousa diante de mim.
O vai e vem da brisa suspende o aroma leve e verde.
Um equilíbrio invisível acontece.
Ali, calado, me sinto parte dele; me sinto só.
Assisto de olhos fechados as lembranças saindo do passado.
Antigas gavetas de um tempo meu.
Os sons freqüentam em largos ecos. As cores são preguiçosas.
Volto aos poucos e ainda estou ali.
Por causa alguma.



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quinta-feira, maio 20

Etiqueta do bom uso.

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Sem pressa, vá até.
Destape.
Sinta o cheiro.
Passe a língua.
Aguarde.
Se não arder ou azedar,
tire um pequeno pedaço.
Limpe as beiradas da boca.
Aguarde.
Mais um pedaço.
Descendo bem,
aumente as doses.
Limpe a boca.
Observe.
Não causando mal estar ou indigestão,
sem pressa, vá até.
Destape...



Texto: Ianne Brasileira
Adaptação: Tiago Landeira



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terça-feira, maio 18

Luxúria

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O contato veio cru, insosso e duro.
A entrega impensada e as ideias primitivas deram vez e força aos erros.
Era só desafio, febre, fuga, e pele.
O instante ditava as regras, revelava as opções e, como um tiro no escuro, tomavam-se decisões.
Tudo aconteceu.
Quando as ameaças imaginadas e o medo instintivo se esvaíram; as consequências vingaram o meu pecado.
Uma repentina paz vingou minha dor.



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quarta-feira, maio 12

na minha cabeça.

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E mais uma vez a sensação da realidade matizada acontece no meu infinito particular.
Não é saudade. Não é vontade. É uma sensação louca com sabor forte de instinto. Sinto-me mergulhado em mim entre todas as coisas que tem lá.
Como numa gelatina com cores do mundo e textura de pensamento.
Centelhas transitando sem pressa vem nascidas dos sinos; nascidas dos brindes; entre as chaves; na caixa de pregos; nas moedas do cego; nos intervalos nas flautas; dos jogos dos anjos e nas estrelas que se vê enquanto ainda é dia.
Movem-se aqui dentro entre os signos de minha mente.
Fazendo algumas daquelas cores brilharem num diálogo misterioso sobre coisas imperceptíveis.






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quinta-feira, maio 6

PALAVRA




l r a p a a v

p-a-l-a-v-r-a

Pa-la-vra

Palavra.

segunda-feira, maio 3

"...Cena de sangue no bar da av. São João..."

Ouvi tiros...




Na verdade não raciocinei tiros; era um barulho seco pronunciando enfáticos e ensurdecedores “p~Ó!”... “p~Ó!” explosivos, abertos, marcados, impossíveis de se ignorar. Ecoavam rápida e assombrosamente. Era um ponto final nas vontades do lugar; nas predisposições da gente ali. Como a espingarda que interrompe a serenidade da floresta, aqueles fogos malignos de tensão e peso de morte, descompassaram a madrugada.
Na terceira intervenção daquele barulho de ameaça iminente, eu compreendi.
Vi pessoas se jogando no chão desesperadas por salvar-se de tal forma que as garrafas e copos quebrados no meio do burburinho não preocupavam nem provocavam cautela.
Era só caos que nascia da força daquele estrondo de arma... Tentei me abrigar também, mas sem muita orientação de pra onde ir, parecia que qualquer direção era melhor do que se manter no mesmo lugar, então resolvi. Corri! De longe se via tantos no chão q não se sabia quem era a vítima; eu não sabia se havia vítimas.
Expressões de pânico, medo na voz, pessoas estáticas em choque. Eu não dizia nada.
De repente alguém pede ajuda, diz que é enfermeira e que precisa de socorro. Essa voz vinha de alguns metros a frente de alguém sentada ao lado daquele rapaz baleado. Não cheguei perto, considero não ter nervos pra algumas coisas e uma delas é uma cena de crime. Mas vi que aos poucos as pessoas se aproximavam de lá e se aglomeravam em torno formando um círculo de curiosidade e lamentação sem se permiter muitas emoções ou qualquer respeito formal para com o desconhecido ainda vivo.
De repente todos comentavam sobre o ocorrido e descreviam os seus momentos no instante do ato, - Eu tava do lado – dizia uma moça que vestia preto; - Eu quase dancei com ele- completou o discurso. E todos se perguntavam quem havia atirado e o porque de ter feito aquilo. Começavam a dizer de casos anteriores sobre vingança e cada um que apostasse na própria especulação. Assim as preocupações foram se tornando várias, enquanto o protagonista cansava do desfalecimento gradual que sofria até se entregar ao desmaio enquanto aguardar a ajuda. Talvez assim, se viesse a acordar, saberia que tinha dado tempo de ainda estar por aqui. Por algum motivo ainda estaria por aqui.

sexta-feira, abril 30

Salvador

"A música lá é uma oração popular. O coração acredita pra depois bater. O símbolo da crença já é o baiano."



Na cidade alta

O meu olhar corria pelas ruas e casas tentando aprender todo o lugar durante o percurso até o pelô; e foi lá que consegui parar um pouco esse frenesi.
Quando me deparei com aquele prédio, metade azul e metade amarelo, me disseram que era a casa de Jorge Amado. Fiquei a pensar diante daquele largo... Era como se ele ainda estivesse ali com suas inspirações e junto com ele o tempo só esperando pra ver o percutir dos tambores de um próximo ensaio, que deve acontecer com a mesma freqüência que a cidade respira e se entrega ao axé.

Desço pelo Lacerda



Na volta o vislumbre da cidade baixa com o mar não me permite dar muita atenção a todos os vendedores de fitinhas do Bonfim que me rodeavam com propostas sedutoras de consumo e que até nem se importavam em dar várias delas por pura tentativa de algum lucro.
Com poucos centavos comprei a decida no elevador Lacerda que me levaria pra provar outros sabores da cidade alguns metros abaixo. Num corredor longo cheio de janelões panorâmicos até a porta da cabine, reparo pelo vibro que meu Brasil tem tudo a ver com aquilo que vejo ser diferente pra mim.

Em frente ao mercado modelo

Sou recebido por ciganas-baianas, ou baianas-ciganas, ou só ciganas, ou só baianas; vai de acordo com a conveniência do dia eu penso.
De longe o prédio grande e amarelo parecia uma peça inteira de queijo manteiga e daquelas portas já se podia cheirar o ar de muitos temperos e sabores sacramentados da terra de todos os santos.
Vendia-se, dendê, bonecos e mais fitas do Bonfim; santos, ervas e cocadinhas que comprei pra trazer de lembrança; eram pequeninas e quadradinhas, cada uma individualmente embrulhada guardando um sabor exótico e delicioso.
Na saída do mercado, mais próximo de todos aqueles barcos atracados de velas recolhidas, uma baiana tava instalada ao lado da porta com um carrinho pra fazer seu acarajé. Magrinha e nada inibida, só fez rir quando eu pedi o meu sem camarão – e vai ser só verdura? – disse ela com olhar sapeca de sobrancelha arqueada achando tudo aquilo muito engraçado; acredito que foi o mesmo que pedir omelete sem ovo. Com ela tirei uma fotografia, mostrando aquele acarajé mais que personalizado.

Da fé

Vi difundida e estabelecida na mínima intenção do que se refere a salvador. Monumentos, lojas, adereços, ritmos, cumprimentos... Está tudo ali numa dinâmica curiosa que não atrapalha a crença de quem quer que seja. O Dique do tororó e seus oito orixás consagrados e coloridos dançam pra quem souber ver a liberdade e a força da crença.

Quero voltar!

segunda-feira, abril 26

Numa atmosfera vaporífera.


A névoa quente e densa preenche todo o espaço a ponto de se empurrar o ar ao se movimentar.
Permite-se um incômodo orgânico de resposta imediata.
A temperatura úmida abriga agonia.
A pele se entrega a sudorese.
Gotas parecem se formar ainda suspensas nessa estufa mentolada.
A exaustão é a proposta do ambiente. Só vapor e suores.
Reciprocamente o suspiro sem fôlego sufoca a respiração já ofegante.

sábado, abril 24

Café


Gosto de café... do gosto de café.
Ensina a ser aroma e cheiro.
Amarga suave.
O gole depois de dado deixa uma atmosfera sutilmente densa no céu da boca.
Cada respiração seguida, acontece como um trago.
Segue pelos pulmões e retorna como um tapete estendido desde a língua.
Causa efeitos de se despertar.
Convida a um conforto simples.
Ganha a vez no momento. Enuveia.

quinta-feira, abril 22

37 - Cid.Satélite - Praça

E nesse teclado preto, paralisado e sem descanso de tanto levar dedadas, vão sendo transferidas as letras apanhadas por minhas impressões, bem no “ato da matrícula”, em rascunhos escritos às pressas ou encontradas durante minhas várias leituras feitas nas filas de resolver problemas.




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E foi ontem quando pegava o último ônibus de volta pra casa ouvindo meu mp3 que encontrei aquele homem comum a todos que pegam ônibus. Dei meu dinheiro pra ele e esperei o troco, enquanto isso, observei q só tinham duas pessoas sentadas ao longo do veículo com cara de desengano.
Passei pela roleta que estalava sem causar incômodo e me sentei longe de todos, mas mesmo de longe observava ainda aquele homem que era a própria expressão do cansaço. Um senhor de meia idade, com seus óculos que já faziam parte do seu rosto, lutando contra suas pálpebras que sem dúvida o estavam vencendo. Julguei-me feliz por não estar ali no lugar dele, mesmo não sabendo julgar muito sobre o que pode nos levar onde estamos atualmente. Vê-lo ali era o mesmo que ver um quadro ou uma fotografia retratando o final do expediente, a aceitação do trabalho enfadonho, e nada mais animador além do sono que vai separar um dia de trabalho do outro. Guardei meu caderno e desci na próxima parada.



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